
I – O TRAUMA.
O início do estudo freudiano é pautado pela histeria que traz para a cena o histerós (o útero), o “órgão-mater da sexualidade”, retirado da ideia de órgão apenas biológico e introduzido no corpo pulsional, dando assim, a origem de um novo saber sobre ele.
O corpo para a psicanálise tem algumas dimensões: uma delas consiste no trilhamento das reminiscências descobertas por Freud na escuta das histéricas, nas cadeias significantes nomeadas por Lacan, onde o corpo é marcado pela pulsão e pelas representações, sendo um corpo de linguagem.
Outra dimensão consiste nas identificações que dei rastros no eu, dos objetos de investimento nos registros do corpo Imaginário e corpo do Real, naquilo que denuncia que não está todo na dimensão simbólica e nem imaginária. O furo deixado no corpo pelo traumatismo (dez graus finais Casa Quatro) já denuncia que se trata de um corpo pulsional, aí onde surge a angústia ante a dimensão da falta, num ponto mediano entre o gozo e o desejo.
A operação de corte no corpo do infans acontece pelo investimento materno, que institui a angústia por uma fenda da falta constitutiva à revelia do infans, que terá de conviver com isso. A angústia, seguindo o ensino de Lacan, ou o sofrimento como desprazer, seguindo o ensino de Piera Aulagnier, vai denunciar que, pelo excesso, o Simbólico e o Imaginário não poderão falar disso pela via dos sentidos.
O Real como o registro que forclui[1] o sentido, emerge na angústia, no espanto, no susto que fala dessa violência da linguagem. Lacan traz a tychê de Aristóteles para falar do Real como um encontro faltoso. O Trauma, dessa forma, ocorre do encontro com o Real, que não é da ordem da linguagem, é da ordem da intensidade, sem representação. Esse encontro com a falta produz um acontecimento traumático. Para articular a falta, instituída pelo encontro traumático, vamos discutir o conceito de pulsão.
II – A PULSÃO.
Esse conceito é concebido por Freud como um estímulo que vem de dentro do organismo. Faz também uma distinção entre estímulos fisiológicos e psíquicos, conceituando que a pulsão se situa na fronteira entre o psíquico e o somático.
Lacan ressalta que a pulsão não é a ordem da biologia. Trata-se de uma força constante. Ela busca a satisfação, ao mesmo tempo que nenhum objeto encontrado lhe proporciona a satisfação desejada. O órgão somático excitado libidinalmente é chamado zona erógena.
A partir dessa conceituação, pode-se articular a pulsão a uma exigência de trabalho para que o psíquico se movimente em direção ao corpo, no sentido de descarregar as quantidades de energia que geram excesso de excitação. A descarga sem representação não é guiada pelo princípio do prazer, pois assim, tenderia a uma descarga total.
Para que isso não ocorra, é necessário que a mãe invista libidinalmente o enfant, juntamente com as práticas de cuidados necessários para sua sobrevivência biológica.
Na proposta do Originário introduzida por Aulagnier, o investimento materno inaugura um índice libidinal que ingressa como informação. Esse elemento de informação não está na capacidade de significação do recém-nascido, mas no investimento da mãe em algo que é impossível não afetar o bebê.
A produção pictográfica é a representação que a psique do infans faz de si mesmo como fonte de prazer. Todas as zonas do seu corpo são unificadas como fontes de prazer, junto ao seio que também é representado como seu (aqui estamos falando de Marte e da Casa Um).
O espaço psíquico do infans trabalha para representar no auto-engendramento a vivência de prazer que abrange a pulsação de seu corpo num prazer global, uma experiência indizível que, no futuro, será chamado de gozo.
[1] Forclusão, terminologia introduzida por Jacques Lacan, que se refere a um mecanismo da psicose, que consiste na rejeição do significante fálico no registro do Simbólico. Esse significante não faz parte do Inconsciente do sujeito e retorna do exterior, do Real, como uma alucinação.